Auto da covid 19





          Trabalho que a profª de Português levou a cabo com sua turma de 9.º ano a propósito da unidade lecionada do texto dramático. 



Auto da covid 19
















Texto original elaborado pela turma D do 9º ano
(apoio e revisão da profª de Português - Raquel Araújo)



Vem um chinês com um sem número de gaiolas e espetos na mão e diz ao arrais da perdição:
Chinês  Olá da barca olá!
Diabo  Quem chama?
Chinês  Sou eu, o teu amigo chinês.
Diabo   Ah! Eis que chegou o 1º freguês
             Como não vem ele já!
Mas vejo-te tão carregado
Deves ter grande pecado
Chinês  Falais destas gaiolas de gado?
Trouxe-as eu do meu mercado
Quereis comigo partilhar?
Põe a prancha para aí embarcar.
Diabo  E o que trazes tu aí?
Chinês   Para entrada um colibri.
Mas de prato principal
Que nunca viste tu igual
Sirvo-te morcego com pangolim
Ou galinha com pinguim
E para terminar em beleza
Dou-te uma bela sobremesa
Carcaças doces de escorpião
Que te põem a lamber a mão…
Tens o forno bem quentinho?
Anda que faremos bom churrasquinho.

Em tom altivo, chega um cientista ao negro solo com a sua bata, tubo de ensaio e microscópio a tiracolo, e diz:
Cientista    Ó da barca ardente,
                    Está aqui o ser mais inteligente!
Diabo    Quem por mim chama?
               E de que morreste, artista?
Julgavas ser bom cientista
Mas a tua experiência deu pró torto
E caíste no chão bem morto.
Cient.   Mas p’ra onde vai esta barca podre
Que cheira tanto a enxofre?
Diabo     Vai para a terra do demo
Entra e pega num remo!
Tentavas descobrir a vacina
Mas não tiveste cuidado,
Respeito ou disciplina
Agora está o vírus disseminado…
Cient.    Eu nem entendo porque estou aqui
A minha vida à ciência dediquei
Outros vírus no passado venci
E para este uma cura imaginei…
Já estou farto de te ouvir
Nesse barco não quero partir.

Dirigindo-se à barca do Anjo em tom meigo, diz:
Cient.     Ó criatura divina,
Há lugar aí para o homem da vacina?
Anjo     Vai-te daqui, não entras cá!
Foste o responsável por esta pandemia
Doença e morte causaste
Houve fome enquanto o desemprego crescia
E a Terra quase paraste…
Tu e o teu maldito laboratório
Transformaram a vida na Terra num Purgatório.

Vem um médico com o seu fato de proteção e viseira na mão e diz-lhe o barqueiro da maldição:
Diabo  Seja bem-vindo, caro doutor,
             A esta barca acrescentais valor!
Médico E para onde vai este barquinho?
Diabo   Vai para o Inferno direitinho!
Médico O que vos leva a pensar que vá embarcar?
               Sou bom demais para aí entrar!
Diabo  Mas que pecado cometeste?
             E de que raio morreste?
Médico Não cometi nenhum pecado…
               Só fui um pouco desastrado…
Pois de tanto trabalhar
Apanhei um esgotamento
Esqueci da máscara colocar
E para mim não houve tratamento
Fui apanhado nesta doença nova
Que em dois dias me levou à cova.
Mas já que tive triste morte
Vou àquela barca tentar a sorte.

Dirige-se então à barca divinal onde encontra embarcada uma colega enfermeira e ajustando a viseira, diz:
Médico  Ó anjinho do Senhor,
Há lugar aí pró senhor doutor?
Vejo aí uma enfermeira
Morreu da mesma maneira?
Anjo   Esta é a barca dos bem-aventurados
 Vós que a curar vos dedicastes
Ao contrário de tantos outros trastes
No Céu estareis bem aconchegados!

Vem um aluno, com o telemóvel na mão, headphones, longa melena e questiona o comandante da embarcação:
Aluno Ó da barca deste cais
           Para onde vais?
Diabo Vai para o fogo encantado
            Sobe que já estou atrasado.
Aluno Ainda agora morri
E tão pouco folguei
Tenho mesmo qu’ entrar aí?
Da vida nada aproveitei…
Diabo Ah então não folgaste?
E as horas de GTA?
E os trabalhos que copiaste?
Hão de te trazer cá!
Aluno Não fiz mal algum
Só estava farto de não fazer nenhum…
Não cuidei da distância social
E este bicharoco apanhei
Foi um encontro fatal
E ainda a minha mãe infetei…
Diabo Então aqui tens a sentença:
Por não teres estado atento,
Por teres infetado teus pais,
Desobedecido ao confinamento
Participando em festas ilegais
Agora virás à minha presença
Senta-te ao pé do chinês
Que nunca há duas sem três!

Chega ao cais do além um professor com o seu ar exausto e um velho computador e diz:
Profº  Para onde segue esta barcarola
            No aspeto tão diferente da minha escola?
Diabo Oh! Bem haja senhor doutor
Das crianças manipulador
De ensinar não te fartaste?
Com aulas síncronas azucrinaste
Fosse no moodle, mail ou telescola
E até com corridas, desenhos e aulas de viola?
Entra cá nesta barcaça
Rumo à negra terra da fumaça.
Profº  Maas…maasss… eu fui tão dedicado
Horas e horas no ensino à distância
Da família tenho abdicado
Pela causa com abnegação e tolerância…
Tu, seu Belzebu sem juízo,
Vou-me é à barca do Paraíso.

Dirige-se então à barca da Glória onde é recebido com euforia:
Anjo Ó meu santo professor,
Das crianças bom mentor!
Por vós há muito tenho esperado
Qualquer pecado vosso foi já perdoado
Os zooms, meets e hangouts
Que tanto vos causaram burnouts
Trazem-vos à barca celestial
Onde gozareis de paz eternal.

Chega Trump ao cais infernal, bronzeado como o sol, com o seu capachinho e dois garrafões de Sonasol:
Trump   Hello do boat, hello!
Diabo Quem ousa interromper
             Este meu momento de lazer?
Trump Donald Trump, o senhor de todas as Américas,
              Salvador das pessoas que por conta do vírus andavam histéricas.
Diabo  Entrai, entrai, poderoso senhor,
             Que eu vos servirei com todo o ardor.
Trump  P’ra onde vai esta traineira?
Diabo   Vai para a terra derradeira
Para onde há pessoas como tu
Sobe e senta aqui o cu!
Tu que só querias tempo de antena
Adiaste então a quarentena
Não quiseste confinar
Prá a economia não prejudicar.
Trump Como? Eu no meu país sou um herói,
              Um Messias, um cowboy!!!
Diabo   Tu, um herói? Que trazes aí na mão
Que dizes do mundo ser a salvação?
De lixívia e detergente
Querias encher toda a gente.
Trump A ti queimou-te um fusível
Nessa barca não entro não
Não tens álcool gel disponível
Para fazer a desinfeção
Vou a este teu vizinho do lado
              Que tem tudo limpinho e desinfetado.

Dirige-se Trump à barca do Anjo que antes de o mandar de volta ao Inferno lhe diz:
Anjo   Tu és um grande aldrabão
17000 vezes ao povo mentiste
Enquanto uns choravam, tu riste,
Vai-te daqui, seu grosseirão!

Eis que chega a Drª Graça Freitas com o seu boletim na mão à barca infernal e diz:
Drª Graça Esta barca para onde vai assim tão aperaltada?
Diabo  Vai para uma bem quente fornalha
Cheia já da pior escumalha
Venha p’ra cá, sua danada!
Drª Graça Ui! Eu não hei de entrar aí
Pois todos os dias transmiti
De microfone na mão
Tanta roupa diferente vesti
Para aparecer bonita na televisão…
Diabo   E aquilo que dizias?
Não eram só intrujices?
Drª Graça Só dizia o que exigiam
E causaram-me muitas chatices!
À barca do Anjo me vou
Que farta de ti já estou!
Diz o Anjo mal a vê:
Anjo Drª Graça, venha para cá
Que tenho aqui lugar para si
Pois tantos bons conselhos ouvi
Boletim sim, boletim não
E a doutora culpa não tem
De informar a tempo e horas a nação
Sem esperar agradecimento de alguém.
Seja bem-vinda, gentil senhora,
E partamos sem demora!

Chega Jair Bolsonaro que morreu assassinado, com Michelle, sua mulher, a sua máscara e as cartas de demissão de todos os seus ministros
Bols. Hou da barca!
Diabo Como vens tão carregado?
        Foi por isso que foste assassinado?
        Entra lá e embarca,
        Que no mundo já deixaste a tua marca.
Bols. Esta barca onde vai ora?
Diabo Vai para a ilha da má hora,
        Suba com a sua senhora.
Bols. Mas que mal fiz eu?
        Endireitei todo o Brasil,
        E fui dado como um imbecil.
       Levei um tiro mortal,
        E ainda vou para o batel infernal?
Diabo Disso tenho a certeza.
        Quando consegues colocar a máscara,
         É uma grande proeza.
         Se és tão bom governante,
         Porque é que te acham repugnante?
        Relatórios fizeste omitir,
        E nem isso consegues assumir.
Fizeste do Brasil uma vala comum
Entra prá aqui que cabe sempre mais um!
Bols.  Homessa! Aí não pertenço,
        Vou à barca daquele que tem bom senso.

Bolsonaro dirige-se à barca do Paraíso, e diz:
Bols. Ó entidade angelical,
        Levas-me nessa barca divinal?
Anjo Essa barca que lá está,
        É onde um pecador como tu entrará.
Bols. É assim que deixarás tudo isto terminar?
Anjo Põe-te daqui a andar,
        Que as tuas desculpas não vão adiantar.

Volta à barca dos danados, onde a discutir com o Diabo está a sua mulher, e diz:
Bols. Hou barqueiro dessa lancha,
        Manda vir daí essa prancha,
        Que agora eu me vou.
         Enquanto vivo não tive tino,
         Aceitei o meu destino,
         Aceitei quem eu sou.

Vem um padre rezando com o seu terço e envergando a sua imaculada batina.
Padre     Avé Maria, cheia de graça,
               O Senhor é convosco…

E passando diante do batel das trevas, disse-lhe o Arrais do Inferno:
Diabo     Então, padre, para quê tanta tristeza?
                Na minha barca entra de certeza.
Padre     Choro pelos defuntos
                Que partiram para estes mundos. 
 Diabo     O que na Terra é sucedido
               Para o senhor padre ficar tão comovido?
Padre     Esta pandemia
               Só nos asfixia!
               Com o Coronavírus
               Na Terra só se ouve choratórios
               E as famílias dos falecidos
              Nem conseguem fazer os seus velórios.
              Nenhuma coisinha trouxe que fosse boa
              O “sacana” só nos amaldiçoa!
Diabo     Entre no meu batel
                Aqui terá tratamento d’ hotel.
                Vamos lá, deixe a tristeza de parte
  E no meu belo batel embarque.
Padre     A tristeza permanece
               E a felicidade aos poucos desaparece.
               Na Terra ficamos todos isolados
Parecíamos uns pobres coitados.
Diabo     Mas, senhor padre, que conversa é essa?
Nem todos ficaram lixados,
Uns ao sofá estiveram colados
E outros para a praia de Carcavelos
Foram consolados.
Padre     Decerto não eram do meu rebanho
Da minha terrinha ninguém foi ao banho.
Diabo     Na sua terrinha são todos uns nabos
Não souberam ficar confinados.
O seu rebanho não lhe obedece,
Quando você está calado
Até o povo agradece.
Padre     Às minhas missas
Todos vão com euforia
Os meus sermões
São uma bela sinfonia.
              É verdade, a pandemia
              Apanhou-nos de surpresa,
              Mas dei as indicações dos políticos
              Ao meu povo com firmeza.
Diabo     Mas já chega de conversa!
               Entre, que estou com pressa.
Quero recrutar outras almas sem salvação.
Não tenho tempo para ouvir o seu sermão.
Padre     Nesse batel dos mal-aventurados
                Não hei de ir afinal
                Mas que diabos!?
               Vou entrar naquele batel divinal
 E ver a luz celestial,
De alegria cantar
E quem ajudei na Terra reencontrar.
Diabo     Vai ter uma deceção
                 Quando vir o meu batalhão.
Temos gentil maré.
Cá para estes mundos infernais,
Morrem todos pelos pecados carnais
E temem os seus finais.
E quantas das esmolas aproveitaste?
               Com uma casa de milhões
               E dizias que no prato só te caíam tostões?
Padre     Sou simples padre de tradições.
               Troquei a batina por um avental
               E servi bastantes refeições
               Para aqueles que passavam mal.
               Deixei naqueles corações belas recordações
               Da ajuda que receberam
              Nestes tempos de maldições.
Cala-te, seu imoral,
Vou embarcar naquele batel celestial.

Torna a prosseguir o seu caminho direito à barca da Glória, e diz-lhe o Anjo:
Anjo     Ó padre celestial,
Tu que não pecaste
Almejavas mais,
Querias o céu divinal.
Nos tempos difíceis, a igreja fechaste
E assim muitas vidas salvaste.
A fé cristã espalhaste
Durante uma vida de abstinência.
Pelos teus sacrifícios
Eu te ofereço uma passagem
Na minha barca da Glória.
Mas para o mundo, deves deixar uma mensagem.
Padre     Amigos, tende confiança
               Ouvi esta mensagem de esperança
               A Covid havereis de vencer
               Todos unidos! Não há que temer!

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